quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Horror Cósmico em campanhas de fantasia medieval

O que é o Horror Cósmico? E como utilizá-lo em campanhas de fantasia medieval?



O Horror Cósmico, também identificado como cosmicismo, é a filosofia literária que foi desenvolvida e empregada pelo escritor H.P Lovecraft em sua ficção sobrenatural. Lovecraft foi o escritor de estórias de terror filosoficamente intensas que envolvem fenômenos relacionados ao ocultismo, tais como "possessão astral" e miscigenação alienígena; os temas de sua ficção contribuíram com o passar do tempo para o desenvolvimento desta filosofia literária.

Princípios do Cosmicismo


A filosofia do cosmicismo declara que não há presença divina reconhecível, tal como um deus, e também exprime a idéia de que os seres humanos são particularmente insignificantes no esquema maior de existência intergaláctica, e que talvez não passem de uma pequena espécie projetando suas próprias idolatrias mentais ao vasto cosmos, estando eternamente susceptível à possibilidade de ser varrida da existência a qualquer momento. Esta idéia também sugeriu que a humanidade inteira não passa de criaturas que possuem exatamente a mesma relevância e significância que plantas e insetos, mas em uma luta muito maior com forças igualmente muito maiores que, dada a pequeníssima e insignificante natureza desprovida de visão do ser humano, o mesmo não reconhece possuído qualquer valor.



Talvez o mais proeminente tema no cosmicismo seja a completa insignificância da humanidade. Lovecraft acreditava que "a espécie humana desaparecerá. Outras espécies aparecerão e, por sua vez, desaparecerão no lugar. O céu há de tornar-se gelado e vazio, perfurado por fraca luminosidade e semimortas estrelas, estas que por sua vez também hão de desaparecer. Tudo há de desaparecer. E tudo o que os seres humanos fazem é mover partículas elementares, em sua liberdade de movimento. Bem, mal, moral, sentimentos? Puras ficções vitorianas. Apenas o egotismo existe."

fonte: www.wikipédia.org

Ok, partindo da premissa que no Horror Cósmico ou Cosmicismo, os monstros e entidades são invariavelmente alienígenas, não nascidos na Terra ou mundo no qual os investigadores/heróis se encontram; e que mesmo os personagens dos jogadores, com suas habilidades, conhecimentos e tecnologia são praticamente inúteis contra as criaturas que irão surgir, podemos assumir que eles sempre serão diferentes de tudo aquilo que é familiar aos jogadores/personagens.

Numa campanha de fantasia medieval, onde a tecnologia ainda está engatinhando, a ciência é misturada a magia, podemos dizer que muitas coisas e criaturas se encaixam neste definição.

Um sahuagim, uma criatura relativamente comum em cenários de campanha do Ad&d, caso os personagens jogadores nunca tenham visto antes, poderia ter o mesmo impacto na sanidade deles que um Deep One teria sobre qualquer pessoa no nosso tempo e sociedade. Da mesma forma, um cidadão que falasse segurando numa pequena caixa mágicka, e esta o respondesse, causaria espanto a assombro num bárbaro inculto, ao ponto de deixá-lo perplexo enojado; da mesma forma, um clérigo, ao usar seus poderes de afastar mortos-vivos, percebe que a linda donzela que fora salvar, e pela qual se apaixonou, se revela uma entidade amorfa, semelhante a uma bolha de carne enegrecida, cheia de bocas e garras, pronta para devorá-lo!

Você veio para o jantar?


O Horror Cósmico, e o horror em si, residem no sentimento individual de cada um, ao ter que lidar com aquilo que é estranho, desconhecido e aberrante. Aberrante no sentido de alienígena, de ser totalmente avesso a tudo o que é conhecido, mas ao mesmo tempo, familiar. E essa contradição familiar X desconhecido, é o que provoca o sentimento de Horror. Se for oriundo de algo vindo de fora do mundo conhecido, se torna um legitimo Horror Cósmico.

Lembrando também que, o que aterroriza um mago, nem sempre causa terror num bárbaro; o que causa horror em um clérigo, pode ser apenas nojento para um ladino. Num exemplo simples, um assassinato. Um assassinato causaria diferentes emoções nos quatro personagens citados. Talvez o ladino simplesmente ficasse enojado com o corpo, enquanto o clérigo ficaria horrorizado com um ato cruel e covarde; já o mago poderia simplesmente ficar curioso para tentar reanimar o cadáver, e o bárbaro poderia achar normal, devido a selvageria típica deste tipo de personagem. Cave o Mestre/Narrador/Guardião avaliar o que se encaixa melhor para o seu grupo.





Deixando a semântica de lado, sugiro que o Horror Cósmico seja utilizado numa campanha medieval de forma sútil.

Pensem no seguinte exemplo:

O grupo de personagens jogadores chega a uma pequena vila, e em conversa com os poucos moradores amedrontados e ansiosos, descobre que há cerca de 3 dias, durante a noite, alguns moradores viram uma estrela cadente cair na floresta próxima a vila, e resolveram investigar.

Dos 7 que partiram, apenas dois retornaram, um mortalmente ferido, e o outro, completamente mudo e vazio. Desde então, vila tem sido alvo de um grupo desconhecido, que vem sequestrando meninas e moças, deixando para trás apenas pedaços de roupas e brinquedos quebrados. As únicas testemunhas dos desaparecimento, juram ter vistos vultos cercando as casas das vitimas no começo da manhã, um pouco antes dos desaparecimentos começarem.

Ao investigarem os arredores, os PJs descobrem indícios de violência, como rastros de sangue e chumaços de cabelo, porém, nenhum corpo. Investigando um pouco mais, os mesmos descobrem uma moça, uma bela jovem desmaiada, próxima a trilha principal. Como personagens heróicos, os jogadores carregam a moça até a vila, e ao chegarem são recebidos como os salvadores que pensam que são.



Um pouco depois, a jovem acorda, e diz não se lembrar de muito, porém, se propõe a guiar os personagens pela trilha, até o ponto onde perdeu a memória, e a tratar seus ferimentos. Os jogadores podem ou não aceitar a ajuda. Assumindo que eles aceitem, a jovem os guia por uma trilha que sai da principal, até um antigo cemitério. Neste ponto, os PJs deveriam começar a pensar se foi uma boa idéia ter vindo até ali. 

Afinal, um cemitério + desaparecimentos = zumbis, certo? Talvez, pois uma vez dentro do cemitério, eles escutam uma voz de criança, pedindo ajuda. Dispostos a salvar quaisquer crianças que ainda esteja pelo local, os PJs começam a investigar, e descobrem uma trilha que leva pra baixo, e para dentro de uma cripta. O cheiro que a cripta exala é acre e pungente, forte e repulsivo, como amônia. Um ar frio emana de dentro do buraco, causando calafrios no PJs.

Ora, cemitério + desaparecimentos + cripta = vampiro ou vampiros, não é mesmo?! Ao descerem à cripta, os jogadores são confrontados com uma cena desoladora: manchas de sangue nas paredes, o que parece ser cabelo pelos degraus da cripta, um forte odor de amônia, e vários restos de roupas e alguns pedaços de brinquedos, como cabeças de bonecas e pedaços de cerâmica. Mas ainda, nenhuma criança.

Mais ao fundo da cripta, os jogadores começam a escutar o choro de várias crianças, começando de forma triste, mas rapidamente se tornando gritos de agonia, dor e sofrimento.

Os PJs então, rapidamente se organizam para o resgate, e ao encontrarem um buraco no chão, onde o lamento aterrorizante se mostra mais forte e intenso, resolvem pular dentro do poço de escuridão, na esperança de salvar as criancinhas que lá se encontram.



Um a um, os personagens pulam em direção aos gritos, em direção a escuridão que os aguarda. Os gritos cessam, ficando apenas o silêncio do túmulo.

Após o último deles chegar ao chão, depois de uma queda de aproximadamente 4 metros, eles percebem que a caverna é escura e úmida. O cheiro de amônia é quase insuportável. Neste ponto, se os jogadores não possuíam nenhuma tocha, ou se a mesma apagou-se na queda, eles percebem um estranho brilho, semelhante a luz de vaga-lumes, iluminando fracamente a caverna.

A cena é simplesmente aterrorizante!

Cerca de 20 meninas e moças, estão presas ao chão, pelo que parecem ser raízes, que brotam de seus braços e pernas em direção a terra. Seus rostos estão completamente vazios de expressão. Seus olhos, são buracos negros onde antes deveriam haver belos e inocentes olhos infantis. Seus cabelos, apenas alguns chumaços saindo de suas cabeças, pendendo embaçados e sujos, úmidos e grudados, revelam algo semelhante a uma serpente, que sai do topo de suas cabeças e se ergue até o teto da caverna.

Neste momento, eles percebem que o brilho vem do teto. Ao olharem para cima, a visão que eles têm não pode ser descrita em simples palavras. O que quer que seja aquilo que está no teto, não possui forma definida. Uma massa esverdeada e informe, imensa, semelhante a um amontoado de bolhas coriáceas pulsantes, se agita a presença dos personagens, pulsando e vibrando ferozmente, com seu brilho doentio e obsceno.

Um barulho atrás dos PJs chama a atenção dos mesmos.

A jovem, que havia sido sua guia e curandeira, está de pé, imóvel, olhando fixamente para o grupo. Seus olhos, ou melhor, no lugar onde deveriam ser seus olhos, dois poços de negritude e silêncio. Sua pele, emaciada e pálida, sem brilho. Com uma voz baixa e penetrante, ela diz:

- Voltamos, mamãe... E trouxemos comida...

Ao se virarem para as crianças, o grupo percebe que todas estão de pé, e olhando em sua direção...



Viram? O Horror Cósmico se dá através do medo do desconhecido, e da sensação de impotência e repulsa, por aquilo que é tão grotesco e bizarro, que não pode ser compreendido pela mente humana (ou élfica, anã, halfling...)

Para que isso seja melhor traduzido em termos de jogo, se fazem necessárias mecânicas (ou regras) que emulem a reação dos PJs. Em Ad&d 2ªEd, temos as regras de Medo, Horror e Loucura, criadas especificamente para o cenário de Ravenloft, mas que podem facilmente ser adaptadas para qualquer jogo OSR.


Em Call of Cthulhu, já existem os Testes de Sanidade.

Para tanto o Novo Mundo das Trevas, o Storytelling, quanto o Trevas, poderia ser exigido um teste de força de vontade, e em caso de falha, ser rolado 1d10, com os seguintes resultados:

  1. Fiasco         - O PJ derruba o que estava segurando em suas mãos.
  2. Amedrontado  - O PJ fica com suas mãos trêmulas, não podendo segurar nenhum objeto.
  3. Gritar         - O PJ leva as mãos ao rosto e grita com todo o seu ser, derrubando todos os objetos que segurava.
  4. Atordoado - O PJ fica sem ação neste turno. 
  5. Titubear               - O PJ fica confuso e fascinado, e se movimenta aleatoriamente em qualquer direção, a cargo do narrador.
  6. Esconder-se        - O PJ tenta se esconder o mais rápido possível, em qualquer lugar que puder sair da linha de visão/situação da fonte do medo.
  7. Paralisado - O PJ fica completamente imóvel durante 2 turnos, não podendo nem mesmo fugir.
  8. Apavorado      - O PJ fica tão aterrorizado, que arremessa em direção a fonte do medo, qualquer objeto que esteja segurando.
  9. Encolher-se        - O PJ se encolhe, no chão, e fica balbuciando palavras sem sentido durante um turno, não se movimentando nem mesmo pra fugir.
  10. Desmaiar - O PJ desmaia, cai no chão, derrubando todos os objetos que segurava, ficando 1d10-5 turnos desacordado e imóvel.



Lembrando sempre, que, quando falamos sobre Horror Cósmico, estamos nos referindo a tudo aquilo que seja alienígena e gigantesco, extra-terreno, incompreensível, ou seja, se for algo muito conhecido dos personagens, ou mesmo familiar, como goblins ou mesmo esqueletos, não há porque fazer os referidos testes.

Vocês teriam um momento para escutar a palavra de nosso senhor e salvador, Cthulhu?


Mas, no caso de um shoggoth, com certeza qualquer tipo e raça de PJ ficaria aterrorizado! 

Também é importante dividir estes encontros em dois tipos: criaturas e lugares.

Por criatura, vamos assumir qualquer tipo de criatura que cause estes sentimentos nos PJs, tanto pos sua aparência, quanto por seu comportamento, quanto por seus atos.

Já um lugar, precisa possuir tanto uma atmosfera quanto um sentido dominante. Seja o olfato, a visão, a audição ou o tato, um dos sentidos pode ser dominante, e os outros sendo suplementares; ou se valendo de todos ao mesmo tempo, como no exemplo descrito acima de uma sessão de jogo.

Como tudo isso dito, acho que já dá pra termos uma boa noção de como causar estes sentimentos nos PJs, e por consequência nos jogadores, durante o jogo. Lembrando sempre que o horror cósmico sempre será algo capaz de ameaçar a humanidade, ou o mundo de jogo, como um todo.

Bom meus amigos, vou ficando por aqui. Quaisquer dúvidas, sugestões ou críticas, deixem nos comentários, que assim que possível, conversamos sobre.